domingo, 31 de janeiro de 2010

"Notícias do Brasil "


Lula para Davos: Brasil será ator permanente no cenário do novo mundo

Em discurso lido esta manhã pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em Davos, na Suíça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agradeceu o prêmio de Estadista Global, concedido pelo Fórum Mundial, e lembrou que ''um outro mundo é possível''.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, recebe das mãos do ex-secretário geral das Nações Unidas Kofi Annan o prêmio de "Estadista Global" conferido ao presidente Lula
- Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais importantes da minha vida. Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim que estão premiando, mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me deixa ainda mais feliz e honrado - enfatizou o discurso de Lula.
O presidente lembrou ainda que o prêmio aumenta a responsabilidade dele como governante e a responsabilidade do Brasil como ator cada vez mais ativo e presente no cenário mundial.
- Tenho visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está na moda. Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém inapropriado. O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil quer e será ator permanente no cenário do novo mundo - ressaltou.
- O Brasil, porém, não quer ser um destaque novo em um mundo velho. A voz brasileira quer proclamar, em alto e bom som, que é possível construir um mundo novo. O Brasil quer ajudar a construir este novo mundo, que todos nós sabemos, não apenas é possível, mas dramaticamente necessário, como ficou claro, na recente crise financeira internacional, mesmo para os que não gostam de mudanças - prosseguiu Lula.
- O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos. Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda sindical - acrescentou.
- No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e promover, ativamente, os direitos humanos. Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais ativa e soberana na comunidade das nações. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política - recordou Lula.
O presidente foi enfático ao lembrar que o Brasil fez a sua parte: ''Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e, mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu''.
A seguir, Lula fez uma pergunta: 'O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o mundo, igual ao Brasil, também melhorou?
E respondeu: 'Não faço esta pergunta com soberba. Nem para provocar comparações vantajosas em favor do Brasil. Faço esta pergunta com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua parcela de responsabilidade no que sucedeu – e no que possa vir a suceder com a humanidade e com o nosso planeta'.
- Podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos, das tragédias e da pobreza? Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo de respeito ao ser humano e ao meio ambiente? Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental, para o abismo político e para o abismo moral? - indagou mais uma vez.
- Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de vocês, porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o mundo em que vivemos. E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo. Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas. Continuamos destruindo o meio ambiente. Continuamos assistindo, com compaixão hipócrita, a miséria e a morte assumirem proporções dantescas na África. Continuamos vendo, passivamente, aumentar os campos de refugiados pelo mundo afora. E vimos, com susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente aprendida, para onde a especulação financeira pode nos levar - criticou.
E Lula pergunta também quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude. - Quantas hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que decidamos fazer o óbvio e o mais correto? Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo, quanto desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que tomemos a firme decisão de salvar o planeta? - acrescentou.
Em uma referência à tragédia no Haiti, Lula também pergunta: quantos Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios tardios e soluções improvisadas, ao calor do remorso?
- Todos nós sabemos que a tragédia do Haiti foi causada por dois tipos de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe, no início deste mês, com a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e silencioso, que vem corroendo suas entranhas há alguns séculos. Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que destrói comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e nos países mais pobres das Américas - criticou.
O presidente brasileiro também deu a receita para o desenvolvimento. - A melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz. E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra a crise. Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo, rica ou pobre - afirmou.
Na conclusão do discurso, Lula enfatizou que está na hora do mundo recuperar sua capacidade de criar e sonhar.
- É hora de re-inventarmos o mundo e suas instituições. Por que ficarmos atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar. Não podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a humanidade. Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que governar com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja tarde. Não sou apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou lançando um brado de otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos nossos destinos em nossas mãos. E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor, coragem e justiça elas conseguem realizar a tarefa divina de construir um novo mundo e uma nova humanidade - concluiu.


Fonte: JB Online

"O Haiti existe?"



Escrito por Frei Betto
30-Jan-2010


Interessados em exibir na Europa uma coleção de animais exóticos, no início do século XIX, dois franceses, os irmãos Edouard e Jules Verreaux, viajaram à África do Sul. A fotografia ainda não havia sido inventada, e a única maneira de saciar a curiosidade do público era, além do desenho e da pintura, a taxidermia, empalhar animais mortos, ou levá-los vivos aos zoológicos.

No museu da família Verreaux os visitantes apreciavam girafas, elefantes, macacos e rinocerontes. Para ela, não poderia faltar um negro. Os irmãos aplicaram a taxidermia ao cadáver de um e o expuseram, de pé, numa vitrine de Paris; tinha uma lança numa das mãos e um escudo na outra.

Ao falir o museu, os Verreaux venderam a coleção. Francesc Darder, veterinário catalão, primeiro diretor do zoológico de Barcelona, arrematou parte do acervo, incluído o africano. Em 1916, abriu seu próprio museu em Banyoles, na Espanha.

Em 1991, o médico haitiano Alphonse Arcelin visitou o Museu Darder. O negro reconheceu o negro.  Pela primeira vez, aquele morto mereceu compaixão. Indignado, Arcelin pôs a boca no mundo, às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos de Barcelona. Conclamou os países africanos a sabotarem o evento. O próprio Comitê Olímpico interveio para que o cadáver fosse retirado do museu.

Terminadas as Olimpíadas, a população de Banyoles voltou ao tema. Muitos insistiam que a cidade não deveria abrir mão de uma tradicional peça de seu patrimônio cultural. Arcelin mobilizou governos de países africanos, a Organização para a Unidade Africana, e até Kofi Annam, então secretário-geral da ONU. Vendo-se em palpos de aranha, o governo Aznar dediciu devolver o morto à sua terra de origem. O negro foi descatalogado como peça de museu e, enfim, reconhecido em sua condição humana. Mereceu enterro condigno em Botswana

Em meus tempos de revista "Realidade", nos anos 60, escandalizou o Brasil a reportagem de capa que trazia, como título, "O Piauí existe". Foi uma forma de chamar a atenção dos brasileiros para o mais pobre estado do Brasil, ignorado pelo poder e pela opinião públicos.

O terremoto que arruinou o Haiti nos induz à pergunta: o Haiti existe? Hoje, sim. Mas, e antes de ser arruinado pelo terremoto? Quem se importava com a miséria daquele país? Quem se perguntava por que o Brasil enviou para lá tropas a pedido da ONU? E agora, será que a catástrofe - a mais terrível que presencio ao longo da vida – é mera culpa dos desarranjos da natureza? Ou de Deus, que se mantém silencioso frente ao drama de milhares de mortos, feridos e desamparados?

Colonizado por espanhóis e franceses, o Haiti conquistou sua independência em 1804, o que lhe custou um duro castigo: os escravagistas europeus e estadunidenses o mantiveram sob bloqueio comercial durante 60 anos.

Na segunda metade do século XIX e início do XX, o Haiti teve 20 governantes, dos quais 16 foram depostos ou assassinados. De 1915 a 1934 os EUA ocuparam o Haiti. Em 1957, o médico François Duvalier, conhecido como Papa Doc, elegeu-se presidente, instalou uma cruel ditadura apoiada pelos tonton macoutes (bichos-papões) e pelos EUA. A partir de 1964, tornou-se presidente vitalício... Ao morrer em 1971, foi sucedido por seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, que governou até 1986, quando se refugiou na França.  

O Haiti foi invadido pela França em 1869; pela Espanha em 1871; pela Inglaterra em 1877; pelos EUA em 1914 e em 1915, permanecendo até 1934; pelos EUA, de novo, em 1969.
As primeiras eleições democráticas ocorreram em 1990; elegeu-se o padre Jean-Bertrand Aristide, cujo governo foi decepcionante. Deposto em 1991 pelos militares, refugiou-se nos EUA. Retornou ao poder em 1994 e, em 2004, acusado de corrupção e conivência com Washington, exilou-se na África do Sul. Embora presidido hoje por René Préval, o Haiti é mantido sob intervenção da ONU e agora ocupado, de fato, por tropas norte-americanas.

Para o Ocidente "civilizado e cristão", o Haiti sempre foi um negro inerte na vitrine, empalhado em sua própria miséria. Por isso, a mídia do branco exibe, pela primeira vez, os corpos destroçados pelo terremoto. Ninguém viu, por TV ou fotos, algo semelhante na Nova Orleans destruída pelo furacão ou no Iraque atingido pelas bombas. Nem mesmo após a passagem do tsunami na Indonésia.

Agora, o Haiti pesa em nossa consciência, fere nossa sensibilidade, arranca-nos lágrimas de compaixão, desafia a nossa impotência. Porque sabemos que se arruinou, não apenas por causa do terremoto, mas sobretudo pelo descaso de nossa dessolidariedade.

Outros países sofrem abalos sísmicos e nem por isso destroços e vítimas são tantos. Ao Haiti enviamos "missões de paz", tropas de intervenção, ajudas humanitárias; jamais projetos de desenvolvimento sustentável.

Findas as ações emergenciais, quem haverá de reconhecer o Haiti como nação soberana, independente, com direito à sua autodeterminação? Quem abraçará o exemplo da dra. Zilda Arns, de ensinar o povo a ser sujeito multiplicador e emancipador de sua própria história?

Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira" (Rocco), entre outros livros.  

"Do consumo excessivo à sustentabilidade"


Relatório do Worldwatch Institute afirma que sociedades consumistas precisam passar por uma transformação cultural

Por Fátima Cardoso, do Instituto Akatu

“Os seres humanos estão imersos em sistemas culturais, são moldados e restringidos por suas culturas, e em sua maioria agem somente dentro da realidade cultural das suas vidas. As normas, símbolos, valores e tradições culturais com que uma pessoa cresce se tornam ‘naturais’. Assim, pedir para as pessoas que vivem em culturas de consumo para reduzir seu consumo é equivalente a pedir que elas parem de respirar – podem fazer isso por um momento, mas depois, sufocantes, vão inspirar novamente”.

Esse é um trecho do primeiro capítulo do relatório State of the World 2010 – Transforming Cultures: From Consumerism to Sustainability (Estado do Mundo 2010 – Transformando Culturas: do consumismo à sustentabilidade), lançado pelo Worldwatch Institute, uma organização de pesquisa americana dedicada a temas do desenvolvimento sustentável. No relatório, o consumismo é definido como “uma orientação cultural que leva as pessoas a encontrar sentido, felicidade e aceitação por aquilo que consomem”. Em outras palavras, é muito difícil que as pessoas mudem seu comportamento em relação ao consumo, mas isso é absolutamente necessário. Na opinião de Erik Assadourian, diretor do projeto e autor do primeiro capítulo, “para prosperar no futuro, as sociedades humanas terão de mudar suas culturas para que a sustentabilidade se transforme na norma e o consumo excessivo, em tabu”.

Segundo dados do relatório, em 2006 as pessoas no mundo todo consumiram US$ 30,5 trilhões em bens e serviços, 28% a mais do que dez anos antes. Além das despesas com itens básicos, como comida e moradia, as pessoas gastam mais em bens de consumo conforme aumenta a renda. Somente em 2008, foram vendidos no mundo 68 milhões de veículos, 85 milhões de refrigeradores, 297 milhões de computadores e 1,2 bilhão de telefones celulares.

Para produzir tantos bens, é preciso usar cada vez mais recursos naturais. Entre 1950 e 2005, a produção de metais cresceu seis vezes, o consumo de petróleo subiu oito vezes e o de gás natural, 14 vezes. Atualmente, um europeu consome em média 43 quilos em recursos naturais diariamente – enquanto um americano consome 88 quilos, mais do que o próprio peso da maior parte da população.

Além de excessivo, o consumo é desigual. Em 2006, os 65 países com maior renda, em que o consumismo é dominante, foram responsáveis por 78% dos gastos mundiais em bens e serviços, mas contam com apenas 16% da população mundial. Somente os americanos, com 5% da população mundial, ficaram com uma fatia de 32% do consumo global. Se todos vivessem como os americanos, o planeta só comportaria uma população de 1,4 bilhão de pessoas. A pior notícia é quem nem mesmo um padrão de consumo médio, equivalente ao de países como Tailândia ou Jordânia, seria suficiente para atender igualmente os atuais 6,8 bilhões de habitantes do planeta.

Tamanha voracidade sobre os recursos naturais do planeta são evidentemente insustentáveis. “Os padrões culturais são a causa de uma convergência sem precedentes de problemas econômicos e sociais, incluindo a mudança do clima, uma epidemia de obesidade, um enorme declínio na biodiversidade, perda de terras agricultáveis e produção de resíduos tóxicos”, afirma Erik Assadourian. A conclusão do relatório não deixa dúvidas: sem uma mudança cultural que valorize a sustentabilidade e não o consumismo, não haverá esforços governamentais ou avanços tecnológicos capazes de salvar a humanidade dos riscos ambientais e de mudanças climáticas.

Fonte: Akatu
www.akatu.org.br

"Mensagem"


Auto-Encontro

A ansiosa busca de afirmação da personalidade leva o indivíduo, não raro, a encetar esforços em favor das conquistas externas, que o deixam frustrado, normalmente insatisfeito.

Transfere-se, então, de uma para outra necessidade que se lhe torna meta prioritária, e, ao ser conseguida, novo desinteresse o domina, deixando-o aturdido.

A sucessão de transferências termina por exauri-lo, ferindo-lhe os interesses reais que ficam a margem.

Realmente, a existência física é uma proposta oportuna para a aquisição de valores que contribuem para a paz e a realização do ser inteligente. Isto, porém, somente será possível quando o centro de interesse não se desviar do tema central, que é a evolução.

Para ser conseguida, faz-se imprescindível uma avaliação de conteúdos, a fim de saber-se o que realmente é transitório e o que é de largo curso e duração.

Essa demorada reflexão selecionará os objetivos reais dos aparentes, ensejando a escolha daqueles que possuem as respostas e os recursos plenificadores.

Hoje, mais do que antes essa decisão se faz urgente, por motivos óbvios, pois que, enquanto escasseiam o equilíbrio individual e coletivo, a saúde e a felicidade, multiplicam-se os desaires e as angústias ceifando os ideais de enobrecimento humano.

Se de fato andas pela conquista da felicidade, tenta o auto-encontro.

Utilizando-te da meditação prolongada, penetrar-te-ás, descobrindo o teu ser real, imortal, que aguarda ensejo de desdobramento e realização.

Certamente, os primeiros tentames não te concederão resultados apreciáveis.

Perceberás que a fixação da mente na interiorização será interrompida, inúmeras vezes, pelas distrações habituais do intelecto e da falta de harmonia.

Desacostumado a uma imersão, a tua tentativa se fará prejudicada pela irrupção das idéias arquivadas no inconsciente, determinantes de tua conduta inquieta, irregular, conflitiva.

Concordamos que a criatura é conduzida, na maior parte das vezes, pelo inconsciente, que lhe dita o pensamento e as ações, como resultado normal das próprias construções mentais anteriores.

A mudança de hábito necessita de novo condicionamento, a fim de mergulhares nesse oceano tumultuado, atingindo-lhe o limite que concede acesso às praias da harmonia, do autodescobrimento, da realização interior.

Nessa façanha verás o desmoronar de muitas e vazias ambições, que cultivas por ignorância ou má educação; o soçobrar de inúmeros engodos; o desaparecer de incontáveis conflitos que te aturdem e devastam.

Amadurecerás lentamente e te acalmarás, não te deixando mais abater pelo desânino, nem exaltar pelo entusiasmo dos outros.

Ficarás imune à tentação do orgulho e à pedrada da inveja, à incompreensão gratuita e à inimizade perseguidora, porque somente darás atenção à necessidade de valorização do ser profundo e indestrutível que és.

Terminarás por te venceres, e essa será a tua mais admirável vitória.

Não cesses, portanto, logo comeces a busca interior, de dar-lhe prosseguimento se as dificuldades e distrações do ego se te apresentarem perturbadoras.


Franco, Divaldo Pereira. Da obra: Momentos Enriquecedores.
Ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Salvador, BA: LEAL, 1994.

Chico Xavier - Trailer do Filme (2010)

Veja no vídeo o trailer do filme sobre Chico Xavier, direção de Daniel Filho e que estréia em Janeiro/2010. A trajetória do querido médium, sua infância marcada pela dor e pelas visões, sua juventude subtraída no cuidado com os irmãos, o início dos trabalhos espíritas, a chegada de Emmanuel, o impressionante depoimento dos "mortos" testemunhando da continuidade da vida, as psicografias polêmicas, André Luiz e Nosso Lar, as perseguições, a incompreensão familiar e a mudança para Uberaba, receberam retrato fiel num filme que certamente emocionará a todos.

"Para descontrair"

A TAP Portugal e a ANA fizeram uma surpresa aos passageiros no dia 23 de dezembro de 2009, no aeroporto de Lisboa.

Ficou bem legal, assistam!

sábado, 30 de janeiro de 2010

"Música do Dia"

Encontros e Despedidas
M. Nascimento e F. Brant

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir

São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

"Pensar o ser humano depois de Auschwitz"



Recordamos neste ano os 65 anos do Holocausto de judeus perpetrado pelo nazismo de Hitler e de Himmler. É terrificante a inumanidade mostrada nos campos de extermínio, especialmente, em Auschwitz na Polônia. A questão chegou a abalar a fé de judeus e de cristãos que se perguntaram: como pensar Deus depois de Auschwitz? Até hoje, as respostas seja de Hans Jonas, do lado judeu; seja de J. B. Metz e de J. Moltmann, do lado cristão são insuficientes. A questão é ainda mais radical: Com pensar o ser humano depois de Auschwitz?
É certo que o inumando pertence ao humano. Mas quanto de inumanidade cabe dentro da humanidade? Houve um projeto concebido pensadamente e sem qualquer escrúpulo de redesenhar a humanidade. No comando devia estar a raça ariano-germânica, algumas seriam colocadas na segunda e na terceira categoria e outras, feitas escravas ou simplesmente exterminadas. Nas palavras de seu formulador, Himmler, em 4 de outubro de 1943: "Essa é uma página de fama de nossa história que se escreveu e que jamais se escreverá". O nacional-socialismo de Hitler tinha a clara consciência da inversão total dos valores. O que seria crime se transformou para ele em virtude e glória. Aqui se revelam traços do Apocalipse e do Anti-Cristo.


O livro mais perturbador que li em toda minha vida e que não acabo nunca de digerir se chama: "Comandante em Auschwitz: notas autobiográficas de Rudolf Höss" (1958). Durante os 10 meses em que ficou preso e interrogado pelas autoridades polonesas em Cracóvia, entre 1946-1947, e, finalmente, sentenciado à morte, Höss teve tempo de escrever com extrema exatidão e detalhes como enviou cerca de dois milhões de judeus às câmaras de gás. Ai se montou uma fábrica de produção diária de milhares de cadáveres que assustava aos próprios executores. Era a "banalidade da morte" de que falava Hannah Arendt.

Mas o que mais assusta é seu perfil humano. Não imaginemos que unia o extermínio em massa aos sentimentos de perversidade, sadismo diabólico e pura brutalidade. Ao contrário, era carinhoso com a mulher e filhos, consciencioso, amigo da natureza, enfim, um pequeno burguês normal. No final, antes de morrer, escreveu: "A opinião pública pode pensar que sou uma besta sedenta de sangue, um sádico perverso e um assassino de milhões. Mas ela nunca vai entender que esse comandante tinha um coração e que ele não era mau". Quanto mais inconsciente, mais perverso é o mal.

Eis o que é perturbador: como pode tanta inumanidade conviver com a humanidade? Não sei. Suspeito que aqui entra a força da ideologia e a total submissão ao chefe. A pessoa Höss se identificou com o comandante e o comandante com a pessoa. A pessoa era nazista no corpo e na alma e radicalmente fiel ao chefe. Recebeu a ordem do "Fuhrer" de exterminar os judeus, então não se deve sequer pensar: vamos exterminá-los (der Führer befiehl, wir folgen). Confessa que nunca se questionou porque "o chefe sempre tem razão". Uma leve dúvida era sentida como traição a Hitler.

Mas o mal também tem limites e Höss os sentiu em sua própria pele. Sempre resta algo de humanidade. Ele mesmo conta: duas crianças estavam mergulhadas em seu brinquedo. Sua mãe era empurrada para dentro da câmara de gás. As crianças foram forçadas a irem também. "O olhar suplicante da mãe pedindo misericórdia para aqueles inocentes" -comenta Höss-, nunca mais esquecerei". Fez um gesto brusco e os policiais os jogaram na câmara de gás. Mas confessa que muitos dos executores não aguentavam tanta inumanidade e se suicidavam. Ele ficava frio e cruel.

Estamos diante de um fundamentalismo extremo que se expressa por sistemas totalitários e de obediência cega, seja políticos, religiosos ou ideológicos. A consequência é a produção da morte dos outros.

Este risco nos cerca pois demo-nos hoje os meios de nos autodestruir, de desequilibrar o sistema Terra e de liquidar, em grande parte, a vida. Só potenciando o humano com aquilo que nos faz humanos como o amor e a compaixão podemos limitar a nossa inumanidade.

Leonardo Boff

"Racismo"

Precisamos acabar com isto!!!!!


"Sentir a dor para poder curá-la"




"No budismo, existe muita ênfase em meditar sobre a verdade do sofrimento. Isto pode ser um pouco depressivo, mas quando vemos nossos defeitos claramente também vemos a possibilidade de nos livrar deles. Enxergar nossos defeitos tem muito a ver com nossa capacidade de despertar. Do ponto de vista budista, nenhum erro é impossível de ser mudado. Sempre há uma possibilidade de mudança. O reconhecimento de nossa inteligência humana pode nos ajudar a ter mais segurança ao encarar situações difíceis. Isto é muito importante". É o que diz Dalai Lama em seu livro Mundos em Harmonia - diálogos sobre a prática da compaixão.
Nesta declaração, Dalai Lama conta com uma habilidade pouco cultivada em nossa cultura ocidental: a capacidade de encarar de frente os desafios da vida e de nosso mundo interior. Em geral, somos estimulados a nos distrair diante da dor. Como se encarar a dor pudesse nos levar a um estado ainda pior daquele em que já nos encontramos.
Se encarar a dor significar aumentar uma atitude destrutiva em relação a nossa autoimagem, de fato, corremos o risco de nos causar muito mal. Isto é, se nos cobrarmos de atitudes idealizadas, do que poderíamos ou deveríamos ter feito, estaremos apenas reforçando a atitude de evitar olhar o conflito de frente. Quanto mais exigimos de nós mesmos, mais nos distanciamos do ponto onde realmente nos encontramos.
No entanto, é preciso esclarecer que este olhar honesto, sincero e direto a respeito de nossa situação não é uma atitude de condenação! Como se admitir uma fragilidade fosse dar a si mesmo o veredicto derrotista: "sou assim mesmo...".
Justamente, o contrário! Assim como Dalai Lama ressaltou: "Sempre há uma possibilidade de mudança".
Mas, como mover-se em direção à mudança se não aprendemos a olhar além do sofrimento?
Para adquirimos o autoconhecimento, precisamos desenvolver algumas atitudes internas que não nos foram ensinadas, como a coragem e a honestidade de sentir o que pensamos a respeito de nós mesmos sem qualquer resistência, ou seja, sem nos denegrir.
Não nos conhecemos apenas para nos autodiagnosticar, mas para nos tratarmos!
Neste sentido, o budismo nos incentiva a sentir a dor para poder curá-la. Isso não significa deixar de receber uma medicação adequada ao seu estado psicofísico. Uma boa medicação não irá suprimir a dor, mas sim equilibrar nossa condição bioquímica para otimizar a capacidade de elaborá-la. Neste sentido, ansiolíticos, antidepressivos e estabilizadores de humor podem ser de grande ajuda.
"Primeiro, temos que tornar pequeno um problema que vemos como grande, a partir daí ele poderá ser dissipado", nos alerta Lama Gangchen Rinpoche.
Na medida em que aprendemos a acolher nossa dor, deixamos de ter medo de sermos destruídos por ela. A dor que é sentida pode se dissolver no entanto, aquela que é posta de lado pode permanecer lá para sempre.
Converse com a sua dor. Pergunte a ela: "O que você quer me ensinar?". Uma vez que tenha compreendo sua mensagem, faça algo prático com esta nova percepção. Desta forma, poderá testemunhar sua real transformação.

Bel Cesar é terapeuta e dedica-se ao atendimento de pacientes que enfrentam o processo da morte. Autora dos livros Viagem Interior ao Tibete, Morrer não se improvisa, O livro das Emoções e Mania de sofrer pela editora Gaia.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"Lamento junto a Deus pelo Haiti"





Há uma via-sacra de sofrimento com estações que nunca acabam no pequeno e pobre pais do Haiti. Sofrimento no corpo, na alma, no coração, na mente assaltada por fantasmas de pânico e de morte.

Há também muito sofrimento em todos os humanos que não perderam o senso mínimo de humanidade e de solidariedade. Desta com-paixão universal nasce uma misteriosa comunidade que anula as diferenças, as religiões, as ideologias que antes nos separavam e até nos dividam.

Agora só conta a comum humanitas absurdamente maltratada e que deve ser socorrida.

Em cada haitiano que sofre soterrado ou que morre de sede e de fome, morremos um pouco também todos nós junto com eles. Finalmente somos irmãos e irmãs da única e mesma família humana. Como não sofrer?

Mas há também um sofrimento profundo e dilacerante nas pessoas de fé que proclamam que Deus é Pai e Mãe de bondade e de amor.

Como continuar a crer? Queixosos nos perguntamos: "Deus, onde estavas quando se formou aquele tremor raso que dizimou os teus filhos e filhas mais pobres e sofridos de todo o extremo Ocidente? Por que não intervieste? Não és o Criador da Terra com seus continentes e suas placas tectônicas? Não és Pai e Mãe de ternura, especialmente, daqueles que são como teu Filho Jesus os injustamente crucificados da história? Por que"?

Este silêncio de Deus é aterrador porque ele simplesmente não tem resposta. Por mais que gênios como Jó, Buda, Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Leibniz e outros tivessem arquitetado argumentos para isentar Deus e esclarecer a dor, nem por isso a dor desaparece e a tragédia deixa de existir.

A compreensão da dor não suspende a dor, assim como ouvir receitas culinárias não faz matar a fome.

O próprio Jesus não foi poupado da angústia do sofrimento. Do alto da cruz lançou um brado lancinante ao céu, queixando-se:"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste"?

Damos razão a Jó, irritado com seus "amigos" que lhe queriam explicar o sentido de sua dor:"Vós não sois senão charlatães, não sois senão médicos de mentira; se ao menos vos calásseis, os homens tomar-vos-iam por sábios". Mas não podemos calar.

A dor é demasiada e a noite, tenebrosa. Precisamos de alguma luz.

Mesmo sem luz, continuamos a crer com o coração partido, porque estamos convencidos de que o caos e a tragédia não podem ter a última palavra. Deus é tão poderoso que pode tirar um bem do mal. Apenas não sabemos como.

Esperançosos, fazemos uma aposta nesta possibilidade que não deixa nossas lágrima serem vãs. Ademais, cremos que Deus pode ser aquilo que nós não compreendemos. Acima da razão que quer explicações, há o mistério que pede silêncio e reverência.

Ele esconde o sentido secreto de todos os eventos também daqueles trágicos.

Identifico-me com o poema de um grande argentino que perdeu um filho na repressão militar: Juan Gelman:

"Pai, desce do céus, esqueci as orações que me ensinou minha avó, pobrezinha, ela agora repousa, não tem mais que lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se, andando o dia todo atrás da roupa, não tem mais que velar de noite, penosamente, rezar, pedir-te coisas, resmungando docemente".

"Pai, desce dos céus, se estás, desce, então, pois morro de fome nesta esquina, não sei para que serve haver nascido, olho as mãos inchadas, não tem trabalho, não tem, desce um pouco, contempla isto que sou, este sapato roto, esta angústia, este estômago vazio, esta cidade sem pão para meus dentes, a febre, cavando-me a carne, este dormir assim, sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido".

"Te digo que não entendo, Pai, desce, toca-me a alma, toca-me o coração, eu não roubei, nem assassinei, fui criança e em troca me golpeiam e golpeiam, te digo que não entendo, Pai, desce, se estás, pois busco resignação em mim e não tenho e vou encher-me de raiva e estou disposto a brigar e vou gritar até estourar o pescoço de sangue, porque não posso mais, tenho rins, e sou um homem, desce".

"Que fizeram de tua criatura, Pai? Um animal furioso que mastiga a pedra da rua? Pai, desce".

Que o Pai desça sobre os haitianos com seu amor.



Leonardo Boff

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

"Direitos Humanos"


Mukhtar: a revolta e a dor de ser estuprada por quatro homens diante de toda a sua aldeia .

"Às vezes, basta que dois homens entrem em disputa por um problema qualquer para que um deles se vingue na mulher do outro.
Nas aldeias, é muito comum que os próprios homens façam justiça, invocando o princípio do ‘olho por olho’.
O motivo é sempre uma questão de honra, e tudo é permitido a eles.
Cortar o nariz de uma esposa, queimar uma irmã, violar a mulher do vizinho."


A paquistanesa Mukhtar Mai apertou seu exemplar do Corão contra o peito quando ouviu, na presença de mais de 100 homens, a sentença que o conselho de sua aldeia acabara de lhe impor: um estupro coletivo. Integrante de uma casta inferior, Mukhtar fora até lá apenas para pedir clemência para o irmão mais jovem. Era ele o réu no julgamento. Estava prestes a ser condenado à morte por ter se envolvido com uma mulher de um clã superior, fato nunca inteiramente esclarecido. O líder tribal – que era o chefe do tal clã – ignorou o pedido de Mukhtar, então com 28 anos, e ordenou a punição. Ela foi imediatamente arrastada por quatro homens armados, como "uma cabra que vai ser abatida", segundo sua própria descrição. Eles a agarraram pelos braços e puxaram suas roupas, o xale e o cabelo. Indiferentes a seus gritos e súplicas, levaram-na para dentro de um estábulo vazio e, no chão de terra batida, violentaram-na, um após o outro. "Não sei quanto tempo durou essa tortura infame, uma hora ou uma noite. Jamais esquecerei o rosto desses animais", conta a paquistanesa.
Nos três dias seguintes ao estupro, permaneceu trancada em seu quarto. Não conseguia comer nem falar. Como normalmente ocorre com as mulheres vítimas de violência sexual em seu país, pensou em suicidar-se. "Até hoje eu sinto a dor, mas aprendi a mitigar esse sofrimento", disse Mukhtar a VEJA. "O que me conforta é que abri uma escola para meninas. Quando vejo as alunas estudando e brincando, eu me sinto honrada, é isso que atenua a minha dor." A camponesa pobre e analfabeta, nascida Mukhtaran Bibi, virou uma ativista conhecida mundo afora pelo codinome Mukhtar Mai, que significa "grande irmã respeitada" em urdu, o idioma oficial de seu país. Seu livro, publicado no ano passado, é o terceiro na lista dos mais vendidos na França. Nele, conta como se deu essa transformação. Narra sua luta por justiça e relata as barbaridades cometidas contra mulheres em seu país.
A tragédia de Mukhtar teria virado apenas mais um episódio sem conseqüências na longa história de violações dos direitos humanos no Paquistão. O que mudou seu destino foi uma reportagem, publicada em um jornal da região, contando sua história. A notícia correu mundo, e as autoridades locais se viram forçadas a agir. A polícia a procurou em casa. E ela, numa atitude corajosa, não recuou diante da oportunidade de denunciar seus agressores. Foram levados a julgamento os quatro estupradores e outros dez responsáveis pela sentença ilegal. Embora comum no cotidiano das pequenas aldeias paquistanesas, esse tipo de violência é crime segundo as leis do país. Uma decisão de segunda instância absolveu cinco dos acusados. Mukhtar recorreu, e atualmente o caso tramita na Suprema Corte do Paquistão. A batalha judicial lhe rendeu ameaças de morte e custou a vida de um primo, assassinado pelo clã inimigo.
Mukhtar não desafiou apenas o poder local em Meerwala, um vilarejo de agricultores distante 600 quilômetros da capital do Paquistão, Islamabad, onde quase não há comércio e que só recentemente passou a ter energia elétrica. Ela iniciou um movimento que contesta a condição feminina em seu país e questiona hábitos ancestrais como a jirga, conselho tribal que a condenou ao estupro. Em alegações de desonra, a solução encontrada muitas vezes é impor vergonha à família, por meio de suas mulheres. Elas também são usadas como moeda de troca – duas meninas podem ser dadas a um clã rival para compensar um homicídio, por exemplo. No caso de Mukhtar, tratou-se de um episódio inédito de estupro coletivo. Uma violência ainda maior do que de costume, imposta apenas porque a casta de seus agressores controlava a assembléia tribal.
Embora o Corão, o livro sagrado dos muçulmanos, ensine que, aos olhos de Alá, homens e mulheres são iguais, em algumas culturas o fundamentalismo distorceu essa visão. E produziu situações que chocam o Ocidente, como meninas proibidas de freqüentar a escola, mulheres impedidas de trabalhar ou condenadas a penas de apedrejamento. "As mulheres reagem de maneira submissa a atos de violência. Encaram isso como se fosse destino", diz Mukhtar. Para o jornal The New York Times, ela é "a Rosa Parks do século XXI", comparação feita com a americana-símbolo do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos. Ainda que movida pela revolta, Mukhtar apostou na educação como forma de mudar a realidade em seu país. Na sua e na de outras meninas na mesma situação. Ela aprendeu a ler e escrever, abriu outras três escolas e começou a dar apoio a mulheres vítimas de violência. Seu maior inimigo passou a ser o obscurantismo.

Fonte: Revista Veja ed: 2028 , 3 de outubro de 2007

"Em Nome do Direitos Humanos"




Ela era uma mulher pobre e analfabeta, num país onde as mulheresnão têm direitos.
Tratadas como moeda de troca ou compensação de qualquer prejuízo,elas são negociadas pelos pais.
Podem ser entregues ainda crianças para casamentos arranjados, que objetivam acalmar ânimos exaltados, em desacertos tribais.
Não podem escolher o homem com quem se desejam casar e, se afrontarem tal regra, pagam com a vida a desonra que atraem para aprópria família.
Mukhtar vivia em sua aldeia e era respeitada porque, embora analfabeta, decorara o Corão e o ensinava às crianças, de forma gratuita.
Também auxiliava a renda familiar ensinando bordados a outras mulheres.
Cedo aprendera que no Punjab a mulher não tem o direito de escolhas ou de sonhos.
Um dia, ela foi levada até à tribo vizinha, considerada de casta superior, por seu pai e seu tio, a fim de pedir perdão, em nome da família.
É que seu irmão, de apenas 12 anos, fora acusado de ter falado com uma jovem daquela tribo, desonrando-a.
O que se seguiu foi que o Conselho da tribo decidiu que Mukhtar deveria, a titulo de reparação, ser entregue aos homens do clã ofendido.
Ela foi agredida sexualmente por vários deles.
Se nos primeiros dias após o ocorrido, ela desejou a morte, na sequência, resolveu lutar pelos seus direitos.
A atitude corajosa daquela jovem ferida e humilhada ocasionou um início de revolução quanto à situação da mulher em seu país.
Seu caso ganhou o noticiário internacional e ela foi convidada a se fazer presente em conferências, em vários lugares do Mundo.
Com risco de sua própria vida e da de seus familiares, Mukhtar lutou por justiça.
Mas não somente para si.
Para todas as mulheres que todos os dias têm seus direitos usurpados, feridos.
E, como reconheceu que houve muitos entraves no desenrolar do seu processo judicial, por ela não saber ler, nem escrever, tomou uma séria decisão.
Fundou uma escola para meninas.
Com recursos do Estado e de outros países, ela conseguiu.
Se para construir a escola, ela teve o apoio internacional, para conseguir convencer os pais das meninas a deixá-las estudar, foi luta mais árdua.
Foi de porta em porta e, com o tempo, mais de duas centenas de meninas passaram a frequentar a escola.
Para assegurar a frequência, ela estabeleceu um prêmio por assiduidade.
Um prêmio que interessava às famílias: uma cabra para as meninas,uma bicicleta para os meninos.
Assegurar um futuro diferente para aquelas garotas, permitindo-lhes ter acesso ao conhecimento das leis, de seus direitos é o objetivo pelo qual trabalha.
Passou a ser conhecida, em seu país, como a grande irmã que deve ser respeitada, Mukhtar Mai.
Ela ainda sangra em sua alma ao recordar os anos de luta que teve que enfrentar, as calúnias que foram levantadas contra si.
Mas olha confiante o futuro, na certeza de que, se puder evitar que aconteça o que lhe aconteceu a outras meninas, adolescentes e mulheres adultas, terá valido a pena.
Mukhtar Mai, uma mulher de coragem lutando por direitos humanos.
Uma bandeira de estoicismo e bravura, que transformou a própria dor em luta pelos direitos das mulheres.

/Redação do Momento Espírita com base no livro Desonrada, de Mukhtar Mai,
ed. BestSeller.//Em 06.01.2010./

"Haiti, o estado de sítio permanente"



Não foi só ontem, não é só hoje. O Haiti vive um “estado de sítio” constante

Aloisio Milani

Não foi só ontem, não é só hoje. O Haiti vive um “estado de sítio” constante. Quando não “treme” pela pobreza extrema – aqui entendida como desemprego epidêmico, fome crônica e a ausência de saúde e educação públicas -, é a vez das crises políticas e das tragédias naturais: tempestades tropicais, enchentes e furacões. Para dar um exemplo, quatro furacões deixaram cerca de mil mortos e 18 mil desabrigados em 2008. Corpos apodreciam na água das enchentes, não havia estrutura de socorro, o dinheiro e a ajuda humanitária chegavam lentamente. Há pouco, semanas atrás, acabou a temporada de furacões na América Central e, agora, o país se debate com um surpreendente terremoto de magnitude inédita nos últimos 200 anos.

Aliás, dois séculos atrás é aproximadamente o tempo histórico da vitória da única rebelião de escravos que levou à independência de uma nação desde a Antiguidade clássica. Um passado glorioso que vem sendo ofuscado por um presente de pobreza e crises. Desde a deposição do ex-presidente Jean Bertrand Aristide, em 2004, a situação política oscilava entre momentos de paz, violência e fragilidade política. Mas a pobreza resistia. E a cada fenômeno natural, o espectro da destruição pairava sobre eles. A diferença é que desta vez, a tragédia une brasileiros e haitianos. Haverá mais confirmações de mortes entre os brasileiros capacetes azuis e diplomatas da ONU. A médica Zilda Arns teve ironicamente sua vida ligada ao país do continente americano com um dos piores índices de desnutrição e mortalidade infantil, onde queria implantar as bases da Pastoral da Criança.

O impacto do terremoto sobre o Haiti é brutal porque seu epicentro foi muito próximo de uma das regiões mais populosas, a capital Porto Príncipe. O país tem um território comparável ao de Alagoas, com cerca de 8 milhões de pessoas. Mais ou menos 3 ou 4 milhões vivem só na capital, em favelas de tijolos frágeis, de estruturas baratas, improvisadas. Na cidade, onde os ricos moram nos morros e os pobres na parte plana próxima ao mar, o impacto foi maior em bairros com construções de mais de um piso. A região do Palácio do Governo, vizinha da favela de Bel Air, foi destruída. A situação se repete em bairros mais horizontais, como Carrefour, Delmas e Cité Militaire. Na região de Cité Soleil, de barracos de zinco e tijolos finos, os danos não foram menores.

O distrito de Petion-Ville, no alto da cidade, onde ficam as sedes das embaixadas e organizações internacionais, sofreu grande impacto. Até o Hotel Montana foi atingido, um quatro estrelas versão haitiana, onde morreu o general brasileiro Urano Bacellar em 2006. Passarão semanas para as contagens dos mortos e desaparecidos. O Palácio do Governo, que desmoronou quase completamente, era um centro político e uma espécie de residência do presidente. No hall revestido de mármore sob a cúpula central do palácio, ficavam as estátuas de Simon Bolívar e Alexandre Petion. Frente a frente. A poucos metros da vista ampla da planície da praça. Esses símbolos foram completamente soterrados no terremoto.

Um país imóvel

Vale lembrar que, em novembro de 2008, uma pequena tragédia se abateu sobre o distrito de Petion Ville. Ali, sem temporal, sem vento, sem terremoto, a escola primária La Promésse desabou. Simplesmente veio abaixo pela precariedade de sua construção. Matou cerca de 100 crianças e feriu outras 150. O presidente haitiano, René Préval, disse na época que a fragilidade e a debilidade do Estado permitia a existência de construções precárias e ocupações ilegais, o que aumenta a possibilidade de vítimas. O Haiti tentava reestruturar seu Estado com a ajuda da quinta missão de paz da ONU nas últimas décadas. Mas ainda não havia um sistema de defesa civil estruturado, o que vai piorar a situação agora no socorro e atendimento a feridos. Quem não morreu diretamente pelo terremoto corre o risco de morrer por falta de estrutura de bombeiros ou atendimento médico.

Porto Príncipe já possuía uma infra-estrutura precária. Energia elétrica era luxo. Quem tinha convivia com apagões diários. A distribuição de água era feita, muitas vezes, por caminhões-pipa e fontes de água. Em bairros inteiros, a população se abastecia com baldes. Cité Soleil, a maior favela da cidade, era um exemplo. Agora, com o terremoto, a estrutura de abastecimento de água também sofreu. Num país que importava mais da metade da comida para manter as necessidades básicas da alimentação de seu povo, a água voltou a ser escassa. Todo o combustível do país também é importado. Dificilmente um plano de emergência, com o envio de maquinário pesado, conseguirá colocar em prática um mutirão de salvamento em grande escala para evitar mais mortes. O país está quase imóvel dois dias após o abalo principal.

A ajuda da ONU e a dívida externa

O número de mortos – ouve-se agora uma estimativa do governo haitiano de cerca de 50 mil – seria pelo menos cinco vezes maior do que o total de brasileiros enviados à missão de paz das Nações Unidas nos últimos seis anos. O terremoto deve aproximar mais Haiti e Brasil. Nos últimos tempos, nossos enlaces com o país caribenho aumentaram. Além dos capacetes azuis, ativistas, acadêmicos e religiosos procuravam estreitar relações com o povo. A estrutura da ONU no país sempre esteve longe de mudar o perfil da pobreza e das necessidades básicas para o país se reerguer: trabalho, saúde, educação. Iniciativas como a da médica Zilda Arns eram um pedido de entidades haitianas desde a chegada da ONU por lá, há seis anos. Envio de médicos, engenheiros agrônomos, professores, gestores públicos, entre outros. Tudo que vai faltar em dobro agora.

Do fim da vida de Zilda Arns no Haiti, cabe ainda um recado, acredito. A mudança no perfil da missão da ONU no Haiti é urgente mais uma vez. O estágio relacionado à segurança pública pode ter sido questionável, mas há tempos foi superado. Temos a oportunidade agora de ajudar com menos tropas militares e mais parcerias para a reconstrução e desenvolvimento do Haiti. A começar pelo perdão da dívida externa de cerca de 2 bilhões de dólares, uma porcentagem ínfima na comparação com os rios de dinheiro que os países ricos gastaram para socorrer o sistema financeiro internacional da gana de seus próprios especuladores.

"Zilda Arns, a mãe do Brasil"



Pode-se repetir que ninguém é insubstituível, mas a dra. Zilda Arns, vítima do terremoto que arruinou o Haiti, era sim uma pessoa imprescindível. Nela mostrava-se imperceptível a distância entre intenções e ações. Formada em medicina e movida por profundo espírito evangélico – era irmã do cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo –, fundou a Pastoral da Criança, alarmada com o alto índice de mortalidade infantil no Brasil.

Em iniciativas de voluntariado se podem mapear dois tipos de pessoas: as que primeiro agem, põem o bloco na rua e depois buscam os recursos; e as que se enredam no cipoal das fontes financiadoras e jamais passam da utopia à topia.

Zilda Arns arregaçou as mangas e, inspirada na pedagogia de Paulo Freire, encontrou, primeiro, os recursos humanos capazes de mobilizar milhares de pessoas em prol da drástica redução da mortalidade infantil: mães e pais das crianças de 0 a 6 anos, atendidas pela Pastoral, transformados em agentes multiplicadores.

Ela, sim, fez o milagre da multiplicação dos pães, ou seja, da vida. Aonde chega a Pastoral da Criança, o índice de mortalidade infantil cai, no primeiro ano, no mínimo 20%.

Seu método de atenção às gestantes pobres e às crianças desnutridas tornou-se paradigma mundial, adotado hoje em vários países da América Latina e da África. Por essa razão ela se encontrava no Haiti, onde pagou com a morte sua dedicação em salvar vidas.

Trabalhamos juntos no Fome Zero. No lançamento do programa, em 2003, ela discordou de se exigir dos beneficiários comprovantes de gastos em alimentos, de modo a garantir que o dinheiro não se destinasse a outras compras. Oded Grajew e eu a apoiamos, ressaltamos que apresentar comprovantes não era relevante, valia como forma de se verificar resultados. Haveria que confiar na palavra dos beneficiários.

Em março de 2004, no momento em que o governo trocava o Fome Zero pelo Bolsa Família, ela me convocou a Curitiba, sede da Pastoral da Criança. Em reunião com José Tubino, da FAO, e dom Aloysio Penna, arcebispo de Botucatu (SP), que representava a CNBB, debatemos as mudanças na área social do governo. Expus as tensões internas na área social, sobretudo a decisão de se acabar com os Comitês Gestores, pelos quais a sociedade civil atuava junto à gestão pública.

Zilda Arns temia que o Bolsa Família priorizasse a mera transferência de renda, submetendo-se à orientação que propõe tratar a pobreza com políticas compensatórias, sem tocar nas estruturas que promovem e asseguram a desigualdade social.

Acreditava que as políticas sociais do governo só teriam êxito consolidado se combinassem políticas de transferência de renda e mudanças estruturantes, ações emergenciais e educativas, como qualificação profissional.

Dias após a reunião, ela publicou o artigo "Fôlego para o Fome Zero", no qual frisava que a política social "não deve estar sujeita à política econômica. É hora de mudar esse paradigma. É a política econômica que deve estar sujeita ao combate à fome e à miséria".

E alertava: "Erradicar os Comitês Gestores seria um grave erro, por destruir uma capilaridade popular que fortalece o empoderamento da sociedade civil; por reforçar o poder de prefeitos e vereadores que nem sempre primam pela ética e pela lisura no trato com os recursos públicos. O governo não deve temer a parceria da sociedade civil, representada pelos Comitês Gestores."

O apelo da mãe da Pastoral da Criança não foi ouvido. Os Comitês Gestores foram erradicados e, assim, a participação da sociedade civil nas políticas sociais do governo.
Apesar de tudo, o ministro Patrus Ananias logrou aprimorar o Bolsa Família e o índice de redução da miséria absoluta no país, conforme dados recentes do Ipea. Falta encontrar a porta de saída aos beneficiários, de modo a produzirem a própria renda.

Zilda Arns nos deixa, de herança, o exemplo de que é possível mudar o perfil de uma sociedade com ações comunitárias, voluntárias, da sociedade civil, ainda que o poder público e a iniciativa privada permaneçam indiferentes ou adotem simulacros de responsabilidade social.

Se milhares de jovens e adultos brasileiros sobrevivem, hoje, às condições de pobreza em que nasceram, devem isso em especial à dra. Zilda Arns, que merece, sem exagero, o titulo perene de Mãe da Pátria.


Frei Betto

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

"SOS Haiti"


Urgência!

É com esse sentimento que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Cáritas Brasileira, organismo vinculado a CNBB, está lançando uma Campanha de ajuda às vítimas do terremoto que atingiu o país caribenho, na noite do dia 12, vitimando milhares de pessoas, dentre elas a fundadora da Pastoral da Criança, Drª Zilda Arns.
Diante das consequências desta tragédia, a CNBB, em conjunto com a Cáritas Brasileira, lança a Campanha SOS HAITI em socorro à população atingida pelo terremoto.
Com esta campanha, a Igreja pretende fazer um apelo a todas as comunidades, paróquias, dioceses e a sociedade em geral para que organizem coletas em favor do povo haitiano, sugerindo que o dia 24 de janeiro, domingo, seja dedicado a orações pelas vítimas, reflexões e coletas em dinheiro.
O resultado da campanha brasileira SOS HAITI se integra a campanha mundial promovida pela Caritas Internacionalis em resposta ao chamado do papa Bento XVI para a solidariedade da Igreja ao povo haitiano.
As doações em dinheiro podem ser depositadas nas contas bancárias abertas exclusivamente para a campanha e serão destinadas às ações de socorro imediato, reconstrução e recuperação das condições de vida do povo haitiano.
“Tanto mais urgente se apresenta agora o desafio da solidariedade, para um país que já vivia em condições de extrema precariedade. O apelo precisa ser respondido, sobretudo pelo Brasil, em vista de duas vinculações especiais que neste episódio ligam nosso país com o Haiti, primeiro é a presença do contingente do Exército brasileiro, segundo é o falecimento da doutora Zilda Arns”, foi o que expressou, em artigo enviado a CNBB, dom Demétrio Valentine, bispo de Jales (SP), a respeito da urgência em ajudar o povo haitiano.


As contas para depósito são:

Banco Bradesco, Agência: 0606 Conta Corrente: 70.000-2;

Caixa Econômica Federal OP: 003, Agência: 1041 Conta Corrente: 1132-1; ou

Banco do Brasil, Agência: 3475-4 Conta Corrente: 23.969-0


Mais informações acesse o site da Cáritas Brasileira, www.caritas.org.br ou ligue (61) 3214-5400.



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Zilda Arns"



Fonte: Blog do Noblat
Zilda Arns Neumann está entre as vítimas fatais do terremoto que assolou o Haiti. A informação é do gabinete do senador Flávio Arns, sobrinho de Zilda.
Ela tinha 73 anos, era médica pediatra e sanitarista, fundadora e coordenadora internacional da Pastoral da Criança e fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Pessoa Idosa.
Zilda Arns era também representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Conselho Nacional de Saúde e membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).

Veja estes vídeos:


"FSM"


FSM completa 10 anos de processo na consolidação de ‘um outro mundo possível’
Karol Assunção *
Adital -


Em 2001, cerca de 20 mil pessoas se reuniam em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, Brasil, na construção de "um outro mundo". Surgia ali o Fórum Social Mundial (FSM), que tinha como objetivo desfazer a dominação das regras econômica impostas pelos países mais ricos no Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça).


Com o passar dos anos, o FSM se firmou e conquistou espaço nacional e internacionalmente, com participação crescente de pessoas e multiplicação de Fóruns Regionais, Nacionais e Locais em diversas partes do mundo. Em 2009, nove anos após a primeira edição do FSM, Belém, no Pará (Brasil), recebeu 150.000 participantes. Um levante de gente unida no propósito e pensamento de que um mundo melhor e mais justo é mesmo cada vez mais urgente.


Em 2010, o FSM completa dez anos de processo com uma edição especial de avaliação da caminhada, que acontecerá na Grande Porto Alegre, entre os dias 25 e 29 de janeiro. Além disso, 27 Fóruns Sociais se realizarão ao longo do ano de forma descentralizada com direcionamento ao FSM de 2011, que será realizado em Dakar, na África.


Em entrevista à ADITAL, Francisco Whitaker Ferreira, o Chico Whitaker, um dos idealizadores do FSM, fala sobre os avanços e desafios dos 10 anos de Fórum, a importância do espaço para os movimentos e organizações sociais, e as expectativas para os próximos anos.



Adital - Em 2010, o Fórum Social Mundial completará 10 anos. Que avaliação o senhor faz desses dez anos de processo? Acredita que o FSM tem cumprido seu objetivo inicial?



Chico Whitaker - Acredito. O objetivo inicial do FSM era o de romper a dominação do "pensamento único" em que se baseava o Fórum Econômico Mundial de Davos: não há alternativa senão o mercado como motor e regulador da atividade econômica. E deste Fórum os "donos do mundo" (multinacionais e dirigentes dos países mais ricos) ditavam as regras para a vida econômica do planeta.
Era o início de um novo século, em que recém se começava a superar, com manifestações de protesto e resistência contra o domínio do mundo pelo capital, a perplexidade causada pela queda do Muro de Berlim, que simbolizou o desmoronamento de toda uma experiência de construção do socialismo. Centrado no "social" e não no "econômico", o primeiro Fórum Social Mundial foi então organizado a partir de outra afirmação: "outro mundo é possível". Com isso ele reacendeu a chama da esperança e da utopia.
Mas a forma como ele foi organizado perseguia outro objetivo: o de facilitar a superação das barreiras e preconceitos que tornavam extremamente fragmentado esse novo ator político que surgia, a sociedade civil. Como resultado, em poucos anos a mobilização social então chamada de luta "anti-mundialização" passou a ser chamada de movimento "altermundialista", ou seja, de construção de alternativas a uma globalização submetida aos interesses do capital. E por toda a parte começou-se a utilizar a palavra "outro" para expressar o sentido das buscas que se faziam na luta por um mundo com mais justiça e mais paz.


Adital - Em 2001, reuniram-se em Porto Alegre entidades, organizações sociais e ONGs contra a hegemonia capitalista e em busca de "um outro mundo". No próximo ano, o FSM volta à cidade gaúcha para comemorar a 10ª edição. O que mudou nesses 10 anos de Fórum?


Chico Whitaker - O Fórum de Janeiro de 2010 na Grande Porto Alegre é o primeiro de uma série de 27 Fóruns Sociais que se realizarão pelo mundo afora durante esse ano, rumo ao próximo Fórum Social Mundial que terá lugar em janeiro de 2011 na África, em Dakar, no Senegal. Esse foi o formato (Fóruns Sociais em todo o mundo) adotado no processo FSM em 2010. O FSM não "volta" portanto a Porto Alegre. Lá se realiza um Fórum Social especial porque nele está contido um grande seminário de avaliação dos dez anos de caminhada, organizado pelo grupo de entidades e pessoas que promoveram em 2001 o primeiro FSM.
Os Fóruns Mundiais realizados nesses dez anos foram todos diferentes uns dos outros, cada um aprendendo com as lições do anterior. Ao mesmo tempo multiplicaram-se os Fóruns Regionais (como o do Sudeste Asiático em 2003, os Europeus - com sua quinta edição em 2010, em Istambul - e o Norte-americano, com sua segunda edição também este ano, em Detroit), os nacionais e os locais.
Mobilizações mundiais significativas foram discutidas e propostas a partir de Fóruns, como a grande Manifestação pela Paz e contra a guerra no Iraque, em fevereiro de 2003, em que quinze milhões de pessoas foram às ruas. Em 2004 um Fórum Social Mundial foi pela primeira vez organizado em outro país, com sucesso - na Índia, onde a participação de movimentos populares foi marcante. Os formatos foram também se alterando, intercalando-se entre os Mundiais outros tipos de manifestação, como em 2006 os três Fóruns quase simultâneos em três continentes, um Dia Mundial de Ação em 2008, a série de Fóruns agora em 2010. Firmaram-se algumas orientações básicas - contidas numa Carta de Princípios cada vez mais aceita como referência geral - como o caráter do Fórum como um espaço aberto, a horizontalidade na organização de atividades nesse espaço, a auto-organização dessas atividades, a recusa de um documento final único, a não designação de dirigentes ou porta-vozes, o respeito à diversidade.
As temáticas discutidas foram se ampliando, como em 2009 onde sua realização na Amazônia estimulou a abordagem da questão ambiental e da problemática dos povos originários de todos os continentes, a partir das lutas indígenas do Brasil e da América Latina.
Diversas intuições dos organizadores foram igualmente se desdobrando, como a adoção da regra do consenso nas decisões organizativas, e a busca da união dentro da diversidade como grande objetivo a ser alcançado no processo. E a participação foi quase sempre crescente, das 20.000 pessoas do FSM de 2001 às 150.000 do FSM em Belém, em 2009.


Adital - Da primeira edição até agora, episódios significativos marcaram o mundo, como, por exemplo, a Crise Financeira Mundial. Como o FSM lida com essas questões?


Chico Whitaker - O episódio mais significativo vivido pelo mundo na década foi, sem dúvida, a recente Crise Financeira, que desmontou o mito da capacidade de auto-regulação dos mercados. Muitos, inclusive, disseram que ela veio dar razão ao FSM como espaço de proposição de outro tipo de globalização.
Mas esses temas são discutidos pelos participantes dos Fóruns dentro de uma visão de conjunto da série de crises que vive o mundo - alimentar, política, energética, ecológica... O que levou neste ultimo Fórum, de 2009, a que os indígenas andinos propusessem a realização em 2010 de um Fórum Temático sobre o que chamaram de "crise de civilização". O FSM enquanto FSM não pode se posicionar frente a essas crises, uma vez que é somente um espaço de encontro e articulação. Mas seus participantes vêm construindo, no processo, cada vez mais redes e alianças para atuar mais eficazmente.


Adital - Apesar de ser um processo lento, já é possível afirmar que as propostas do Fórum começam a se concretizar como verdadeira alternativa para "outro mundo"?


Chico Whitaker - Sem dúvida o processo do Fórum vai permitindo cada vez mais visualizar como deve ser construído o mundo que queremos, e que valores devem reger nossas vidas para escaparmos daqueles impostos pela lógica capitalista. Ao mesmo tempo vai-se descobrindo que outras formas de fazer política são necessárias, e que mudar o mundo implica na multiplicidade e numa enorme variedade de intervenções na realidade. Começa a crescer a consciência da importância de assegurar que os bens comuns da humanidade não possam ser privatizados nem transformados em mercadoria, como é exigido pela dinâmica essencial do capitalismo.
A economia solidária, por sua vez, juntamente com formas de comércio justo, vai se espalhando pelo mundo afora. A esperança no "outro mundo possível" tem influído também na eleição de dirigentes políticos, pelo menos na América Latina. Mas talvez a crise ecológica seja atualmente a que mais pode fornecer alternativas capazes de "acordar" as pessoas para a necessidade urgente de mudar nossos modos de produção e de vida.


Adital - Qual a importância do Fórum para os movimentos sociais? Eles têm participado de forma efetiva do processo?


Chico Whitaker - O Fórum existe para que aqueles que consideram que outro mundo é possível - além de necessário e urgente - possam se reconhecer mutuamente, aprender uns com os outros, descobrir convergências, construir novas alianças. Como um encontro aberto para toda a sociedade civil, ele é um espaço por excelência para os movimentos sociais que considerem que tudo isto é útil para eles, e que estejam interessados em ganhar força unindo-se com outros movimentos sociais, com ONGs e com as diferentes entidades que congregam os vários setores da sociedade civil. Assim eles só não usam essa oportunidade que lhe oferecem os Fóruns quando estão mal informados sobre os objetivos do processo FSM, ou estão bloqueados por preconceitos ou isolados pelos seus modos de atuação. Mas estes obstáculos à participação vão sendo pouco a pouco superados.


Adital - Há uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais no Brasil assim como em outros países da América Latina e do mundo. Nesse aspecto, o FSM serve também como espaço de fortalecimento das lutas e da descriminalização desses movimentos. Pode falar sobre isso?


Chico Whitaker - Estas tentativas de criminalização dos movimentos sociais fazem parte da estratégia dos que não querem mudar o mundo - porque nele, como ele é, são privilegiados - para amedrontar e paralisar os que questionam seu poder e lutam por justiça. O tema é evidentemente discutido nos Fóruns e neles nascem estratégias e alianças para fazer frente a essas tentativas, formando-se redes de resistência e lançando-se campanhas de denúncia. A eficácia dessas alianças depende naturalmente da convicção, dos que delas participam, da importância dessa resistência.


Adital - A edição anterior contou com a participação de governantes do Equador, Bolívia, Venezuela, Paraguai. Como se dá esse diálogo com os governos ditos progressistas ou de esquerda?


Chico Whitaker - O objetivo do processo do FSM de reforçar a atuação da sociedade civil implica em assegurar sua autonomia em relação a governos e partidos. Por isso mesmo nem governos nem partidos podem, enquanto tais, organizar atividades nos Fóruns. A presença de governantes ("ditos progressistas ou de esquerda") depende portanto de convites a eles dirigidos por participantes de cada Fórum.
Mas dentro dessa perspectiva a tendência não é a de oferecer palanques mas de organizar diálogos, já que a sociedade civil atua tanto pressionando como controlando governos, além do que possa fazer por ela mesma. Pode-se dizer que, na verdade, as atividades nos Fóruns de que participam governantes têm sido muito mais importantes para esses governantes do que para os participantes dos Fóruns.


Adital - Quais as perspectivas e os desafios para edições do FSM dos próximos anos?


Chico Whitaker - É preciso tornar cada vez mais consciente entre organizações e movimentos sociais que a busca de sua articulação e união é condição essencial para que se enfrente o monstro da ideologia capitalista, que domina inteiramente corações e mentes em todo o planeta. O processo Fórum pode ser um ótimo instrumento para essa tomada de consciência. Mas falta muito para que ele seja visto dessa forma por todos os militantes e dirigentes desses movimentos e organizações. E há ainda muitas regiões do mundo - mal começamos a torná-lo conhecido na África e menos ainda na Ásia - em que o processo Fórum ainda não chegou a ter uma presença significativa.
Mas tanto essa expansão como o aprofundamento da consciência da utilidade e das potencialidades do processo passa pela construção de consensos entre os que organizam os Fóruns. O desafio para mim é o de conseguir que prevaleça a visão de conjunto e de longo prazo, apesar da extrema urgência da mudança. Mas muitas vezes a angústia por resultados palpáveis leva a tomar caminhos que podem se bloquear mais adiante. A experiência dos dez anos de caminhada me faz, no entanto, crer na continuidade e no enraizamento do processo.

"Calamidades"



-Chuvas na cidade do Rio de Janeiro e Angra dos Reis, Reveillón de 2009 ( mais ou menos 69 mortos)...

-Terremoto no Haiti ,12/01/10... milhares de mortos...


Por que?...

Até quando?...


CALAMIDADES


Com freqüência regular a Terra se faz visitada por catástrofes diversas que deixam rastros de sangue, luto e dor, em veemente convite à meditação dos homens.


Conseqüência natural da lei de destruição que enseja a renovação das formas e faculta a evolução dos seres, sempre conseguem produzir impactos, graças à força devastadora de que se revestem.


Cataclismos sísmicos e revoluções geológicas que irrompem voluptuosos em forma de terremotos, maremotos, erupções vulcânicas, obedecem ao impositivo das adaptações, acomodações e estruturação das diversas camadas da Terra; no seu trânsito de "mundo expiatório" para "regenerador" .


Tais desesperadores eventos impõem ao homem invigilante a necessidade da meditação e da submissão à vontade divina, do que resultam transformações morais que o incitam à elevação.


Olhados sob o ponto de vista espiritual esses flagelos destruidores têm objetivos saneadores que removem as pesadas cargas psíquicas existentes na atmosfera, que o homem elimina e aspira, em contínua intoxicação.


Indubitavelmente trazem muitas aflições pelos danos que se demoram após a extinção de vidas, arrebatadas coletivamente, deixando marcas de difícil remoção, que se insculpem no caráter, na mente e nos corpos das criaturas.


Algumas outras calamidades como as pestes, os incêndios, os desastres de alto porte são resultantes do atraso moral e intelectual dos habitantes do planeta, que, no entanto, lhes constituem desafios, que de futuro podem remover ou deles precatar-se. (À véspera havia irrompido, em São Paulo, o incêndio do Edificio Joelma, que arrebatou mais de 170 vidas e revelou alguns heróis. Descrito e analisado no livro Éramos seis)


As endemias e epidemias que varriam o planeta no passado, continuamente, com danos incalculáveis, em grande parte são, hoje, capítulo superado, graças às admiráveis conquistas decorrentes da "revolução tecnológica" e da abnegação de inúmeros cientistas que se sacrificaram para a salvação das coletividades. Muitas outras que ainda constituem verdadeiras catástofres, caminham para oportunas vitórias do engenho e da perseverança humana.


Há, também, aquelas resultantes da imprevidência, da invigilância, por meio das quais o homem irresponsável se autopune, mediante os rigores dos sofrimentos decorrentes das desencarnações precipitadas, através de violentos sinistros e funestas ocorrências ...


Pareceriam desnecessárias as aflições coletivas que arrebatam justos e injustos, bons e maus, se olhados os saldos precipitadamente. Conveniente, todavia, refletir quanto à justeza das leis divinas que recorrem a métodos purificadores e liberativos, de que os infratores e defraudadores das Leis e da Ordem não se podem furtar ou evitar.


Comparsas de hediondas chacinas; grupos de vândalos que se aliciam na desordem e usurpação; maltas de inveterados agressores que se indentificam em matanças e destruições; corsários e marinhagens desvairados em acumpliciamentos para pilhagens criminosas; soldadesca mercenária, impiedosa e avassaladora, que se refestela, brutal, na inocência imolada selvagemente; incendiários contumazes de lares e celeiros, em hordas nefastas e contínuas; bandos bárbaros de exterminadores, que tudo assolam por onde passam; cúmplices e seviciadores de vítimas inermes que lhes padecem as constrições danosas; pesquisadores e cientistas impenitentes, empedernidos pelas incessantes experiências macabras de que se nutrem em agrupamentos frios; legisladores sádicos e injustos que se desforçam nas gerações débeis que esmagam; conquistadores arbitrários, carniceiros, que subjugam cidades nobres, tornando suas vítimas cadáveres insepultos, enquanto se banqueteiam em sangue e estupor; mentes vinculadas entre si por estranhas amarras de ódio, ciúme e inveja que incendeiam paixões, são reunidos novamente em vidas futuras, atravessando os portais da Imortalidade, através de resgates coletivos, como coletivamente espoliaram, destruíram, escarneceram, aniquilaram, venceram os que encontravam à frente e consideravam impedimentos à sua ferocidade e barbaria, vandalismo e estroinice, a fim de que se reajustem, no concerto Cósmico da Vida, servindo também de escarmento para os demais, que, não obstante se comovem ante as desgraças que os surpreendem, cobrando-lhes as graves dívidas, prosseguem, atônitos e desregrados, em atitudes infelizes sem que lhes hajam constituído lições valiosas, capazes de converter-se em motivo de transformação interior.


Construtores gananciosos que se fazem instrumento para cobranças negativas, maquinistas e condutores de veículos displicentes, que favorecem tragédias volumosas, homens que vendem a honradez e sabem que determinadas calamidades têm origem nas suas mentes e mãos, embora ignorados pela Justiça humana não se furtarão à Consciência Divina neles mesmos insculpida, que lhes exigirá retorno ao proscênio em que se fizeram criminosos ignorados para tornarem-se heróis, salvando outros e perecendo, como necessidade purificadora de que se alçarão, depois, à paz.


Não constituem castigos as catástrofes que chocam uns e arrebatam outros, antes significam justiça integral que se realiza.


Enquanto o egoísmo governe os grupos humanos e espalhe suas torpes sementes, em forma de presunção, de ódio, de orgulho, de indiferença à aflição do próximo, a Humanidade provará a ardência dos desesperos coletivos e das coletivas lágrimas, em chamamentos severos à identificação com o bem e o amor, à caridade e ao sacrifício.


Como há podido pela técnica superar e remover vários fatores de calamidades, pelas conquistas morais conseguirá, a pouco e pouco, suplantar as exigências transitórias de tais injunções redentoras.


Não bastassem as legítimas concessões do ajustamento espiritual, as calamidades fazem que os homens recordem o poder indômito de forças superiores que os levam a ajustar-se à sua pequenez e emular-se para o crescimento que lhes acena.


Tocados pelas dores gerais, partícipes das angústias que se abatem sobre os lares vitimados pela fúria da catástrofe, ajudemo-nos e oremos, formando a corrente da fraternidade santificante e, desde logo, estaremos construindo a coletividade harmônica que atravessará o túmulo em paz e esperança, com os júbilos do viajor retomando ditoso à Pátria da ventura.


Joanna de Ângelis




terça-feira, 12 de janeiro de 2010

" Continuação da Entrevista" Parte III- Final

Adital - Até que ponto o senhor acredita que a sociedade civil organizada pode ser agente de uma nova prática de consumo?

Leonardo Boff - Deve-se começar em algum lugar. O lugar mais imediato é começar com cada um. O desafio, face ao problema universal, é convencer-se de que podemos ser mais com menos. Importa fazer uma opção por uma simplicidade voluntária e por um consumo compassivo e solidário pensando em todos os demais irmãos e irmãs e demais seres vivos da natureza que passam fome e estão sofrendo todo tipo de carência. Mas para isso, devemos realizar a experiência radicalmente humana de que de fato somos todos irmãos e irmãs e que somos ecointerdependentes e que formamos a comunidade de vida.
A economia se orientará para produzir o que realmente precisamos para a vida e não para a acumulação e para o supérfluo, uma economia do suficiente e do decente para todos, respeitando os limites ecológicos de cada ecossistema e obedecendo aos ritmos da natureza. Isso é possível. Mas precisamos de uma "metanoia" bíblica, de uma transformação de nossos hábitos, de nossa mente e de nossos corações. Essa transformação constitui a espiritualidade. Ela não é facultativa, é necessária. Cada um é como a gota de chuva. Uma molha pouco. Mas milhões e milhões de gotas fazem uma tempestade, agora um tsunami do bem.

Adital - O Brasil, por conta da Floresta Amazônica e outra matas nativas, deveria ter um papel fundamental na questão ambiental. Como o senhor avalia a postura do governo brasileiro em relação ao tema?

Leonardo Boff - O governo brasileiro não acumulou ainda suficiente massa crítica nem consciência da importância da floresta amazônica para os equilíbrios climáticos da Terra inteira. Se o problema é o excesso de dióxido de carbono na atmosfera, então são as florestas as grandes sequestradoras deste gás que produz o efeito estufa e, em conseqüência, o aquecimento global.
Elas absorvem os gases poluentes pela fotossíntese e os transforma em biomassa, liberando oxigênio. Ao invés de estabelecer a meta de desmatamento 0 e ai ser rígido e implacável, por amor à humanidade e à Terra, o governo estabelece que até 2020 vai reduzir o desmatamento até 15%. E há políticas contraditórias, pois de um lado o Ministério do Meio Ambiente combate o desmatamento, por outro o BNDS financia projetos de expansão da soja e da pecuária que avançam sobre a floresta. Por detrás estão grandes interesses do agronegócio que pressionam o governo a manter uma política flexível e danosa para o equilíbrio da Terra.

Adital - Todavia percebe-se grande atuação de movimentos sociais e entidades em defesa da natureza e cobrando mais de seus governos em âmbitos internacionais. Acredita que haja, no momento, mais empoderamento?

Leonardo Boff - Acredito que a Cúpula de Copenhague terá função semelhante que teve a Eco-92 no Rio de Janeiro. Depois da Eco-92 surgiu no mundo inteiro a questão da sustentabilidade e da crítica ao sistema do capital visto como essencialmente anti-ecológico, pois ele implica uma produção ilimitada à custa da extração ilimitada dos recursos e serviços da natureza. Creio que a partir de agora a Humanidade tomará consciência de que ou ela, a partir da sociedade civil mundial, dos movimentos, organizações, instituições, religiões e igrejas, muda de rumo ou então terá que aceitar a dizimação da biodiversidade e o risco do extermínio de milhões e milhões de seres humanos, não excluída a eventualidade do desaparecimento da própria espécie humana.
Essa consciência vai encontrar os meios para pressionar as empresas, os grandes empreendimentos e os Estados para encontrarem uma nova relação para com a Terra. O problema não é a Terra, mas nossa relação para com ela, relação de agressão e de exploração implacável. Precisamos estabelecer um acordo Terra e Humanidade para que ambos possam conviver interdependentes, com sinergia e espírito de reciprocidade. Sem isso não teremos futuro. O futuro virá a partir da força da semente, quer dizer, das práticas humanas pessoais e comunitárias que criam redes, ganham força e conseguem impor um novo arranjo que garantirá um novo tipo de história.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

"Continuação da Entrevista" Parte II

Adital - Nunca as questões ambientais estiveram tão em evidência como nos últimos anos. Termos como aquecimento global, mudanças climáticas apesar de vários alertas feitos há bem mais tempo, hoje fazem parte do cotidiano de muita gente em todo o planeta. Nessa "crise civilizatória" ainda há tempo para se fazer algo? De onde poderá vir essa "salvação"?

Leonardo Boff - Se trabalharmos com os parâmetros da física clássica, aquela inaugurada por Newton, Galileo Galilei e Francis Bacon, orientada pela relação causa-efeito, estamos perdidos. Não temos tempo suficiente para introduzir mudanças, nem sabedoria para aplicá-las. Iríamos fatalmente ao encontro do pior. Mas se trocarmos de registro e pensarmos em termos do processo evolucionário, cuja lógica vem descrita pela física quântica que já não trabalha com matéria mas com energia (a matéria, pela fórmula de Einstein, é energia altamente condensada) aí o cenário muda de figura.
Do caos nasce uma nova ordem. As turbulências atuais prenunciam uma emergência nova, vinda daquele transfundo de Energia que subjaz ao universo e a cada ser (chamada também de Vazio Quântico ou Fonte Originária de todo ser). As emergências introduzem uma ruptura e inauguram algo novo ainda não ensaiado. Assim não seria de se admirar se, de repente, os seres humanos caiam em si e pensem numa articulação central da humanidade para atender as demandas de todos com os recursos da Terra que, quando racionalmente gerenciados, são suficientes para nós humanos e para toda a comunidade de vida (animais,plantas e outros seres vivos).
Possivelmente, chegaríamos a isso face um perigo iminente ou após um desastre de grandes proporções. Bem dizia Hegel: o ser humano aprende da história que não aprende nada da história, mas aprende tudo do sofrimento. Prefiro Santo Agostinho que nas Confissões ponderava: o ser humano aprende a partir de duas fontes de experiência: o sofrimento e o amor. O sofrimento pela Mãe Terra e por seus filhos e filhas e o amor por nossa própria vida e sobrevivência irão ainda nos salvar.
Então não estaríamos face a um cenário de tragédia cujo fim é fatal mas de uma crise que nos acrisola e purifica e nos cria a chance de um salto rumo a um novo ensaio civilizatório, este sim, caracterizado pelo cuidado e pela responsabilidade coletiva pela única Casa Comum e por todos os seus habitantes.

Adital - Há varias demandas para que a Corte Penal Internacional reconheça os crimes ambientais como crime de lesa humanidade. O senhor acha que seria uma alternativa?

Leonardo Boff - As leis somente têm sentido e funcionam quando previamente se tenha criado uma nova consciência com os valores ligados ao respeito e ao cuidado pela vida e pela Terra, tida como nossa Mãe, pois nos fornece tudo o que precisamos para viver. Havendo essa consciência, ela pode se materializar em leis, tribunais e cortes que fazem justiça à vida, à Humanidade e à Terra com punições exemplares. Caso contrário, os tribunais possuem um caráter legalista, de difícil aplicação, sem sua necessária aura moral que lhe confere legitimidade e reconhecimento por todos.
Então devemos primeiro trabalhar na criação dessa nova consciência. Eu mesmo estou trabalhando com um pequeno grupo, a pedido da Presidência da Assembléia da ONU, numa Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade. Ela deverá entrar por todos os meios de comunicação, especialmente, pela Internet para favorecer a criação desta nova consciência da humanidade. A nova centralidade não é mais o desenvolvimento sustentável, mas a vida, a humanidade e a Terra, entendida como Gaia, um superorganismo vivo.

Adital - Por outro lado não se cogita nada do tipo voltado para o consumo, por exemplo, que tem interferência direta no caos em que se tornou a Terra. Poderia falar um pouco sobre isso?

Leonardo Boff - O propósito de todo o projeto da modernidade, nascido já no século XVI, está assentado sobre a vontade de poder que se traduz pela vontade de enriquecimento que pressupõe a dominação e exploração ilimitada dos recursos e serviços da Terra. Em nome desta intenção se construiu o projeto-mundo, primeiro pelas potências ibéricas, depois pelas centro-europeias e por fim pela hegemonia norte-americana. No início não havia condições de se perceber as consequências funestas desta empreitada, pois incluía entender a Terra como um simples baú de recursos, algo sem espírito que poderia ser tratada como quiséssemos. Surgiu o grande instrumento da tecno-ciência que facilitou a concretização deste projeto. Transformou o mundo, surgiu a sociedade industrial e hoje a sociedade da informação e da automação.
Toda esta civilização oferece aos seres humanos, como felicidade, a capacidade de consumo sem entraves, seja dos bens naturais seja dos bens industriais. Chegamos a um ponto em que consumimos 30% a mais do que aquilo que a Terra pode reproduzir. Ela está perdendo mais e mais sustentabilidade e sua biocapacidade. Ela simplesmente não aguenta mais o nível excessivo de consumo por parte dos donos do poder e dos controladores do processo da modernidade. Os 20% mais ricos consomem 82,4% de toda a riqueza da Terra, enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6% da riqueza total. Agora nos damos conta de que uma Terra limitada não suporta um projeto ilimitado. Se quiséssemos universalizar o nível de consumo dos países ricos para toda a Humanidade, cálculos já foram feitos - precisaríamos de pelo menos 3 Terras iguais a esta, o que se revela como uma impossibilidade. Temos que mudar, caso quisermos superar esta injustiça social e ecológica universal e termos um mínimo de equidade entre todos.

" Entrevista com Leonardo Boff " Parte I


Leonardo Boff fala sobre os rumos do planeta terra e do ser humano

Rogéria Araújo *
Adital -


As mobilizações sociais e os alardes sobre os prejuízos que a ação humana vem causando ao meio ambiente não foram suficientes para garantir o fechamento de acordos eficazes durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), concluída sexta-feira (18) em Copenhague, na Dinamarca.
Os líderes mundiais demonstraram mais uma vez preferência pelo desenvolvimento do capital em detrimento da vida. Ainda assim, a postura de desdém para com os problemas climáticos do planeta não está engessando as ações da população na luta por pequenas mudanças. A evidência dada à causa ambiental tem servido para gerar consciência e, aos poucos, mudar maus hábitos de consumo. "O lugar mais imediato é começar com cada um", acredita Leonardo Boff.
Em entrevista à ADITAL, o teólogo, filósofo e escritor fala sobre a necessidade de começarmos as mudanças que irão beneficiar a Terra por nós. "Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta". Para Boff, não devemos depositar nossas esperanças nas decisões que vêm de cima.


Adital - O senhor acredita na vontade política dos grandes líderes mundiais em reverter a situação climática em que se encontra nosso planeta?


Leonardo Boff - Não acredito. Os grandes não possuem nenhuma preocupação que vá além de seus interesses materiais. Todas as políticas até agora pensadas e projetadas pelo G-20 visam salvar o sistema econômico-financeiro, com correções e regulações (que até agora não foram feitas) para que tudo volte ao que era antes. Antes reinava a especulação a mais desbragada que se possa imaginar. Basta pensar que o capital produtivo, aquele que se encontra nas fábricas e no processo de geração de bens soma 60 trilhões de dólares.
O capital especulativo, baseado em papéis, alcançava a cifra de 500 trilhões. Ele circulava nas bolsas especulativas do mundo inteiro, gerenciado por verdadeiros ladrões e falsários. A verdadeira alternativa só pode ser: salvar a vida e a Terra e colocar a economia a serviço destas duas prioridades. Há uma tendência autosuicidária do capitalismo: prefere morrer ou fazer morrer do que renunciar aos seus benefícios.


Adital - Muito esperada a COP 15, que acontece em Copenhague, Dinamarca, parece não apontar para resultados eficazes e em comprometimentos mais sérios. Qual deve ser o papel da sociedade civil caso os resultados não sejam os esperados?


Leonardo Boff - Chegamos a um ponto em que todos seremos afetados pelas mudanças climáticas. Todos corremos riscos, inclusive de grande parte da humanidade ter que desaparecer por não conseguir se adaptar nem mitigar os efeitos maléficos do aquecimento global. Não podemos confiar nosso destino a representantes políticos que, na verdade, não representam seus povos mas os capitais com seus interesses presentes em seus povos. Precisamos nós mesmos assumir uma tarefa salvadora. Cada um em seu lugar, cada comunidade, cada entidade, enfim, todos devem começar a fazer alguma coisa para dar um outro rumo à nossa presença neste planeta. Se não podemos mudar o mundo, podemos mudar este pedaço do mundo que somos cada um de nós.
Sabemos pela nova biologia e pela física das energias que toda atividade positiva, que vai na direção da lógica da vida, produz uma ressonância morfogenética, como se diz. Em outras palavras, o bem que fazemos não fica reduzido ao nosso espaço pessoal. Ele se ressoa longe, irradia e entra nas redes de energia que ligam todos com todos e reforçam o sentido profundo da vida.
Daí podem ocorrer emergências surpreendentes que apontam para um novo modo de habitar o planeta e novas relações pessoais e sociais mais inclusivas, solidárias e compassivas. Efetivamente, se nota por todas as partes que a humanidade não está parada nem enrijecida pelas perplexidades. Milhares de movimentos estão buscando formas novas de produção e alternativas que respondem aos desafios.
Somente em ONG existem mais de um milhão no mundo inteiro. É da base e não da cúpula que sempre irrompem as mudanças.
" NUNCA TE ESQUEÇA A BONDADE NO DESEMPENHO DE QUALQUER OBRIGAÇÃO. "

( Irmã Cipriana "No Mundo Maior"- André Luiz )

Chico Xavier

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"... se eu dispusesse de autoridade, rogava aos homens que estão arquitetando a construção do Terceiro Milênio que colocassem no portal da Nova Era as inolvidáveis palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: -"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei".

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